Documentos inseridos no fim de semana no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) do governo estadual reforçam as suspeitas de que a contratação relâmpago de uma Organização Social para gerir o complexo do Hospital Alberto Torres, em São Gonçalo, pode ter sido um jogo de carta marcada. Apenas uma entidade – o Instituto de Desenvolvimento, Ensino e Assistência à Saúde (Ideas), com matriz em Santa Catarina – foi habilitada e levou o contrato de até R$ 239,5 milhões por um ano.
Um dos pontos que chamam mais a atenção é que um um despacho que trata da análise de propostas enviadas por e-mail para a Secretaria de Saúde no dia 25 de setembro traz no pé a data de 24 de setembro. A pasta alegou (íntegra dos esclarecimentos no fim do texto) que “para dar mais agilidade ao processo, a equipe deixou um modelo pronto para que fossem inseridas as informações”.
Conforme o blog noticiou na semana passada, não houve publicidade em Diário Oficial ou no site da Secretaria de Saúde convocando interessados em assumir a gestão do complexo que, além do Alberto Torres, ainda tem uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e o Hospital João Batista Cáffaro.
Nesta segunda (28), a nova OS já começou o processo de transição. Está de saída o Instituto dos Lagos Rio, que foi alvo este ano de uma operação do Ministério Público que aponta desvios milionários de recursos da Saúde.
A cronologia
A cronologia da contratação do Ideas ocorreu da seguinte forma: na quarta (23), entre 16h41m e 16h51m, a Secretaria de Saúde enviou e-mails para dez Organizações Sociais pedindo propostas para a gestão do complexo do Alberto Torres. O prazo para retorno dado foi 12h01m da última sexta (25).
Às 11h30m de sexta, o Ideas enviou toda a documentação. Em menos de 48 horas, portanto, a entidade, cuja matriz fica em Santa Catarina, mandou uma proposta orçamentária de 43 páginas; o planejamento de serviços e atividades com 1.069 páginas; e um outro compilado de documentos, com 435 páginas.
Apesar de não constar no processo a convocação da Associação Filantrópica Nova Esperança (AFNE), essa OS também enviou documentos por e-mail para a Secretaria de Saúde, às 12h04m de sexta. Por terem chegado três minutos depois do prazo estipulado, a entidade foi desclassificada.
O documento de análise das propostas pela Secretaria de Saúde – que ao final tinha data de quinta (24) – foi assinado digitalmente e inserido publicamente no SEI às 17h05m de sexta. Ou seja, mesmo levando-se em conta essa data e esse horário de assinatura, toda a análise de gestão de um complexo hospitalar teria sido feita em menos de cinco horas.
Às 18h06m de sexta, o subsecretário Gustavo Emílio Arcos Campos ratificou a vitória do Ideas.
Zilda Arns
A mesma Organização Social que irá assumir o Alberto Torres ainda foi a vencedora em outra contratação relâmpago concluída na semana passada pela Secretaria estadual de Saúde.
Também sem publicidade em Diário Oficial ou no site da pasta, o Ideas conquistou a gestão do Hospital Zilda Arns, em Volta Redonda. Neste caso, e-mails para dez OSs foram enviados entre 19h35m e 19h53m de uma sexta-feira, 18 de setembro. O prazo para a resposta era até 17h01m de 22 de setembro, uma terça.
Apenas o Ideas enviou proposta, às 16h47m do dia 22. O orçamento apresentado foi de R$ 110,2 milhões por um ano. Às 16h09m do dia 24 foi assinado o documento de análise que aprovou a documentação enviada pela OS.
Tanto no caso do Zilda Arns quanto no do Alberto Torres, já se sabia há muito tempo que os contratos com as atuais OSs expirariam neste domingo (27). No entanto, os processos de contratação foram deixados para serem realizados a poucos dias dos encerramentos das gestões vigentes. Com isso, tudo foi feito de forma emergencial, sem a realização de uma seleção pública.
No Zilda Arns, está de saída a Associação de Proteção à Maternidade e à Infância de Mutuípe (Imaps).
Emergenciais em Angra
Com sede em Santa Catarina, o Ideas não havia conquistado nenhum contrato até agora com o governo estadual do Rio. A entidade, porém, vem sendo contemplada desde o ano passado com recursos da prefeitura de Angra dos Reis.
Também neste caso, todos os contratos foram emergenciais. Em novembro do ano passado, a entidade assumiu o fornecimento de profissionais para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) da cidade. O contrato de seis meses era de R$ 5,6 milhões. Este ano, em agosto, houve mais um para o mesmo serviço. Por 90 dias, receberá R$ 2,7 milhões.
Além disso, o Ideas assumiu, em novembro do ano passado, a gestão do Hospital municipal da Japuíba. O valor do contrato inicial, de seis meses, era de R$ 23,9 milhões.
A página de transparência da OS não traz qualquer detalhe sobre esses contratos.
Outro lado
Neste domingo (27), o blog entrou em contato por e-mail com o Ideas, mas não houve retorno. O espaço segue aberto.
A Secretaria estadual de Saúde enviou os seguintes esclarecimentos:
“Inicialmente, a secretaria anunciou que a OS Lagos Rio seria substituída pela Fundação Saúde do Estado na administração do complexo do Hospital Estadual Alberto Torres, mas a troca do modelo de gestão sofreu atraso em função do processo de substituição do secretário (saiu Alex Bousquet, entrou Carlos Alberto Chaves).
Desta forma, foi aberto um processo emergencial de seleção de nova Organização Social para a gestão das unidades. Optou-se por um processo de dispensa de licitação (seleção), previsto na Lei 6043/2011, conforme parecer da Subsecretaria Jurídica da secretaria, incluído no processo. A pasta fez consulta a dez Organizações Sociais para participarem do pleito, porém apenas uma OS apresentou proposta dentro do prazo estabelecido.
Com isso, a análise da documentação pôde ser mais célere. Não houve análise por pontuação. Foram examinados os documentos de habilitação e a planilha de custos. Foi assinado contrato de um ano, mas com cláusula que permite sua rescisão e a substituição da OS assim que um contrato definitivo for assinado.
Sobre a data do documento (de análise das propostas), cumpre esclarecer que, para dar mais agilidade ao processo, a equipe da secretaria deixou um modelo de despacho pronto para que fossem inseridas as informações, após a análise da documentação das OSs. Entretanto, para a validade do documento deve-se levar em consideração a data de sua assinatura e não a de sua elaboração.
Todas as ações adotadas seguiram os preceitos legais que regem a contratação das OSs no estado. Foram considerados os princípios constitucionais da administração pública, com respaldo da Subsecretaria Jurídica e áreas técnicas da secretaria.
Além disso, o novo contrato gerará uma economia de R$ 400 mil mensais em relação ao da antiga OS.
O maior e mais importante objetivo foi garantir a continuidade da prestação dos serviços e o atendimento aos usuários do SUS”.
*Foto em destaque: Fachada do Hospital Alberto Torres / Divulgação
E sabe o que é mias estranho? É que a administração no Zilda Arns não foi substituída. Os cargos de confiança e estratégicos continuam sendo ocupados pelas mesmas pessoas ligadas a Imaps e ao ex prefeito da cidade, preso em operação da PF.
Essa OS também está no Municipio do Rio de Janeiro, desde o ano passado, com as unidades de atenção primária em saúde da região do centro AP 1.0