Um relatório elaborado pela Coordenadoria de Análise de Consultas e Recursos do Tribunal de Contas do Estado (TCE) classificou como ilegal a contratação da Organização Social Instituto de Desenvolvimento, Ensino e Assistência à Saúde (Ideas) para a gestão do complexo do Hospital Alberto Torres, em São Gonçalo.
A contratação da OS, feita de forma relâmpago, sem publicidade ou processo seletivo público, vem sendo denunciada pelo blog desde o fim de setembro, quando a entidade assumiu a administração do complexo, que ainda tem uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e o Hospital João Batista Cáffaro.
No mês passado, técnicos do tribunal fizeram uma análise e apontaram diversas irregularidades. O relatório, bastante incisivo, recomendou inclusive que, “em razão da ilegalidade (grifo do TCE) da dispensa do processo seletivo”, fosse realizada uma nova contratação em até três meses. Também foi recomendada a instauração de um procedimento pela Secretaria estadual de Saúde para apurar as responsabilidades pelas decisões tomadas no âmbito da pasta.
Em seu voto, no início deste mês, o conselheiro do TCE Christiano Lacerda Ghuerren deu sequência ao processo, mas pediu explicações à secretaria, agora comandada por Carlos Alberto Chaves, para seguir na análise do mérito. Caso continue em vigor, o contrato com a Ideas pode ter até um ano de duração, terminando em setembro de 2021. O valor total previsto é de R$ 239,5 milhões.
Sem publicidade
Um dos primeiros pontos levantados no relatório foi o de que não houve qualquer convocação no site da Secretaria de Saúde ou em Diário Oficial para que OSs interessadas na gestão do Alberto Torres pudessem se apresentar.
Outra questão levantada pelo TCE foi a rapidez de todo o processo. Foram dadas apenas 43 horas para que as entidades interessadas apresentassem dezenas de documentos. Com isso, apenas a Ideas, que foi efetivamente quem venceu, conseguiu entregar o material necessário em tempo. A outra OS que tentou participar, a Associação Filantrópica Nova Esperança (AFNE), perdeu o prazo por alguns minutos e foi eliminada.
O relatório também destaca atenção ao fato de que o material enviado pela AFNE tinha apenas 285 laudas, enquanto o da Ideas tinha 1.674 páginas.
“Pseudosseleção”
O método de convocação feito pela secretaria, que optou por mandar e-mails a algumas Organizações Sociais, também foi alvo de críticas. Segundo os técnicos do TCE, desta forma, as entidades dependeram “exclusivamente da sorte” para conseguirem participar.
“Apenas a OS que eventualmente notou o envio do supracitado e-mail em tempo hábil para elaborar a proposta de trabalho pôde participar da seleção. (…) As demais – que, repise-se, não tinham obrigação legal de verificar suas caixas de entrada e, mais do que isso, sequer poderiam supor que a Secretaria de Estado de Saúde resolveu adotar tal forma nada ortodoxa de chamamento – foram, de fato, alijadas da pseudosseleção”.
A análise do TCE também lembrou entendimento já consolidado no tribunal de que o valor do contrato anterior – no caso do complexo do Alberto Torres, com a OS Instituto dos Lagos Rio – não deveria servir de padrão para uma nova gestão.
Ou seja, o fato de o contrato atual com a Ideas ser mais em conta do que o antigo não seria parâmetro suficiente de economia: deveria ter sido feita uma pesquisa com pelo menos três interessados.
“Desídia”
O relatório também apontou “desídia da Administração” ao lembrar que, mesmo sabendo que o contrato com o Instituto dos Lagos Rio seria encerrado em 27 de setembro, só iniciou oficialmente as tratativas para uma nova gestão em 21 de setembro. Em outras palavras, a secretaria teria sido displicente.
As explicações da pasta de que isso aconteceu por causa das constantes trocas de comando na secretaria não convenceram os técnicos do TCE:
“Tal omissão denota que a sucessiva substituição dos responsáveis pela Secretaria de Estado de Saúde não deu causa à dispensa de processo seletivo ora inquinada, desaguando na constatação de que houve desídia da Administração em levar a cabo, tempestivamente, as providências necessárias à realização de regular procedimento de escolha, pautado nos princípios da legalidade, finalidade, moralidade administrativa, proporcionalidade, impessoalidade, economicidade, eficiência, transparência e publicidade”.
Secretaria defende contrato
Nesta segunda (23), o assessor-chefe do gabinete do secretário Carlos Alberto Chaves, Edson Senra Gomes, enviou um ofício ao TCE reforçando um histórico do processo que já havia sido alvo dos apontamentos do tribunal.
Ele ressaltou que o contrato com a Ideas tem um valor menor do que o que vinha sendo praticado com o Instituto dos Lagos Rio, o que, por si só, “justificaria o quesito de economicidade”.
O mesmo ofício também afirma que “com a prestação de contas mensal, serão apurados os valores e, a depender da evolução do vínculo jurídico, ajustados os repasses mensais, o que potencialmente elide possíveis danos ao erário”.
No início deste mês, o blog mostrou que os pagamentos realizados para a Ideas, referentes ao Hospital Zilda Arns e ao complexo do Alberto Torres, apresentaram divergências apesar de os contratos terem sido assinados exatamente na mesma data.
Perguntas no ar
Edson Gomes iniciou o documento com relatos semelhantes aos que já tinham sido enviados anteriormente ao TCE, falando sobre as constantes trocas de comando na Secretaria de Saúde. E destacou mudanças recentes realizadas internamente na pasta para melhorar a gestão.
Especificamente sobre a Ideas, o ofício afirma que “o secretário de Saúde está com a difícil atribuição de analisar características de um contrato celebrado pela gestão anterior (de Alex Bousquet)”.
O blog enviou as seguintes perguntas à assessoria de imprensa da pasta, mas não houve resposta:
- Há alguma medida em curso na secretaria para a realização de uma nova contratação através de processo seletivo para a administração do complexo do Alberto Torres?
- Como a atual gestão classifica a forma de contratação realizada pela gestão anterior?
- Diante de graves indícios de irregularidades, o Ministério Público foi acionado, como o secretário afirmou que faria em relação a contratos suspeitos?
- Existe alguma movimentação no sentido de realização de sindicância para apurar as condições da contratação?
*Foto em destaque: Entrada do prédio do TCE / Divulgação
Um comentário